Genocida (Parte II)
- Danilo Zajac
- 7 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Bolsonaro continua um genocida e continua acompanhado.

Para falar do genocídio brasileiro, iniciei em outro post uma discussão sobre como a defesa da ciência a partir de um aspecto de neutralidade ignora o fato de que até esta suposta imparcialidade é uma opção política. Por fim, debati sobre como Jair Bolsonaro tem se utilizado da lenda do país quebrado para capitanear a ideia de que o governo não pode fazer nada, a não ser defender o cancelamento das medidas restritivas que estão em vigor em diversos estados e municípios. E é sobre isto que trata este novo post: o presidente defende uma volta ao trabalho, mas que trabalho?
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, uma agenda de reformas violentas tem sido defendida tanto por especialistas da grande mídia, quanto por políticos oportunistas. Este reformismo ataca todo o sistema de proteção social construído a duras penas pelas lutas da classe trabalhadora, como o direito ao trabalho (Art. 6º da Constituição) e à aposentadoria (Art. 7º). O cerne destas reformas também está associado, direta ou indiretamente, à lenda do país quebrado. Portanto, tanto a reforma trabalhista, quanto a reforma da previdência estão no mesmo bojo da Emenda Constitucional n. 95/2016 (Teto de gastos). O objetivo é diminuir a capacidade do Estado brasileiro de impulsionar o desenvolvimento, deixando a cargo do setor privado e do livre mercado a função de fazer o país voltar a funcionar.
Aqui se encontra a real dificuldade em separar o bolsonarismo mais tacanho do liberalismo limpinho e cheiroso: ambos defendem uma mesma política de austeridade e ausência do Estado. É cada um por si. Jornalistas como Vera Magalhães e Reinaldo Azevedo, embora se pintem de liberais avessos ao presidente, andam com a agenda Paulo Guedes debaixo de seus braços. Aliás, esta proximidade entre o liberalismo de Guedes e a extrema-direita de Bolsonaro está bem descrita neste artigo.
Com a promessa de trazer mais investimentos e desonerar as folhas de pagamento das empresas, a reforma trabalhista é um exemplo muito claro do quanto a ausência de regulamentação tende à bancarrota. Com pouco mais de três anos de vigência, a flexibilização das relações trabalhistas trazia a promessa de mais emprego e mais investimentos externos, mas o que se viu neste período foi exatamente o contrário. As taxas de desemprego estão há tempos acima de 10%, mesmo antes da pandemia. Aliás, os últimos números são assustadores: hoje, temos 14,3 milhões de desempregados, a taxa mais alta para um trimestre encerrado em janeiro. Entre os desalentados (grupo de pessoas que desistiram de procurar trabalho por não conseguirem encontrar emprego), temos cerca de 6 milhões de pessoas [1].
A reforma trabalhista é um reflexo de um processo ainda mais amplo, que ocorre como um reflexo da crise de 2008: a intensificação de uma nova morfologia do trabalho [2]. Fazem parte deste processo a terceirização das relações de trabalho, a uberização e a pejotização. Estes são recursos das empresas para desregulamentar o mercado e imprimir uma lógica individualista e meritocrática. O trabalhador, por sua vez, acaba comprando a ideia de que pode se manter sua empregabilidade negociando diretamente com os contratantes ou empregadores sem ter seus direitos garantidos. Temos uma perspectiva cada vez mais individualizada de relações: são empreendedores de si mesmos que, na verdade, não empreendem nada. Simplesmente são explorados e deixados à própria sorte.
Os milhões de desempregados, desalentados e informais encontram na pandemia uma dificuldade ainda maior para se sustentar. Não à toa que temos mais da metade da população brasileira com algum grau de insegurança alimentar [3]. Sem um sistema de regulamentação do trabalho decente, o Estado perde ainda mais a sua capacidade de intervir nesta realidade. A carteira assinada é uma raridade. Restam os trabalhos precários que em tempos de COVID são também muito perigosos.
Assim se dá a fórmula do genocídio brasileiro: vamos todos voltar ao trabalho, vamos todos ao encontro da morte. Enquanto isso, os que se beneficiam da desregulamentação e da ausência do Estado se tornam cada vez mais ricos. É justo que tenhamos mais de 3000 mortos todos os dias por uma doença evitável ao mesmo tempo em que o país "ganha" mais 20 novos bilionários [4]? Há mais diferenças de aparência do que de essência entre o bolsonarismo e o alto empresariado brasileiro. No fundo, o que importa mesmo é o dinheiro. O mar de corpos e sangue a gente resolve depois.
[2] ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
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