top of page

Negacionismo limpinho e cheiroso: o caso da reabertura das escolas em São Paulo

  • Foto do escritor: Danilo Zajac
    Danilo Zajac
  • 16 de abr. de 2021
  • 4 min de leitura

Não é só Bolsonaro que nega a realidade propositalmente.


Rossieli Soares - Secretário de Estado da Educação (SP)


Nos últimos dois posts (1 e 2), comento um pouco sobre como Jair Bolsonaro tem se aproveitado de algumas narrativas requentadas frequentemente por especialistas pró-mercado para aplicar uma política genocida, que mata mais de 3.000 pessoas todos os dias no Brasil [1]. Assim, o presidente não precisou inventar uma engenhosa teoria para promover um discurso contrário aos métodos de distanciamento social aplicados em Estados e Municípios: bastou ele se utilizar do que se repete como mantra por aí.


Bolsonaro foi uma opção das elites brasileiras. Eduardo Costa Pinto, professor da UFRJ, diz que, na eleição de 2018,

parte importante dos setores dominantes passou a apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro, que escolheu como seu assessor em economia o economista liberal Paulo Guedes, com o objetivo de atrair apoio do mercado financeiro e garantir que seguiria as mesmas estratégias econômicas do governo Temer. [2]

Uma parcela das elites que se utilizam exatamente do mesmo discurso do país quebrado para capitanear o impeachment de Dilma Rousseff, hoje tenta se distanciar do bolsonarismo que ajudou a criar (o bolsodoria é um caso irrefutável desta aproximação [3]). Acontece que esta tentativa de ruptura se baseia mais na forma do que na essência: enquanto o grupo bolsonarista se destaca pelo negacionismo escancarado, esta "nova ala" defende a ciência e a neutralidade da técnica. Contudo, ao analisar o caso da reabertura das escolas promovida pelo Governo de São Paulo nesta semana, verifica-se que essa suposta neutralidade também está carregada de negacionismo.


Um boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC) foi o principal argumento do governo de João Doria para a reabertura das escolas [4]. Nele, defende-se que a taxa de contágio de COVID-19 nas escolas públicas e privadas do Estado foi 33 vezes menor em comparação ao restante da população no período entre 03/01 e 06/03/2021. A nota técnica divulgada recentemente pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU, grupo de professores universitários de diversas instituições públicas de SP e de professores das escolas públicas da educação básica) aponta graves falhas metodológicas nesta conclusão [5]. Quer saber como mentir com estatística? O boletim da SEDUC está recheado de ensinamentos.


A nota da REPU aponta, por exemplo, que para chegar na conclusão do boletim epidemiológico foi necessário utilizar na conta o total de estudantes matriculados, e não os que de fato foram à escola no período. Portanto, analisa-se uma amostra consideravelmente maior, que não estava nas escolas para que pudessem ser contaminadas. Não é possível correr risco de contaminação dentro de um espaço se você nunca esteve nele.


A falta de transparência do governo estadual também contribui intencionalmente para este negacionismo. A nota da REPU aponta que tentou obter mais dados sobre a infecção, especificamente entre professores e funcionários (os que mais têm sintomas e que mais podem desenvolver formas graves da doença), mas o pedido não foi atendido pela SEDUC. Também são feitas criticas às 11 fotografias enviadas pela Secretaria ao Tribunal de Justiça de São Paulo para comprovar eventuais adaptações das escolas para receber a comunidade escolar. As cerca de 5 mil escolas públicas estaduais estão representadas em apenas 11 fotos.


Assim, em busca de dados verdadeiramente representativos, a REPU recolheu informações sobre casos confirmados em 299 escolas estaduais entre 7 de fevereiro e 6 de março. Eles mostram que, nas unidades analisadas, a incidência de COVID-19 entre professores foi quase o triplo da registrada na população de 25 a 59 anos de São Paulo. Se antes os números divulgados pela SEDUC já poderiam ser questionados pelo bom senso, este estudo, que estima a incidência especificamente entre professores da rede estadual, torna o que Rossieli Soares vem espalhando por aí uma verdadeira piada de mau gosto. Para entender o nível de mau-caratismo, ontem, Rossieli comemorou nas redes sociais a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo contrária ao recurso de sindicatos dos trabalhadores em educação [6]. O recurso tinha o objetivo de impedir o retorno das aulas presenciais. O secretário, que administra a maior rede de escolas do país, nem disfarça sua inépcia, surfando na lacração ao melhor estilo de Jair Messias.


É este mesmo negacionismo sustentado por dados absurdos que reivindica a escola como um serviço essencial. Aliás, o próprio termo é utilizado de maneira proposital: quem poderia achar que a escola não é essencial? Na última terça-feira, foi aprovada na Câmara dos Deputados a urgência para apreciação de um projeto de lei que defende a reabertura das escolas independentemente do estado da arte da pandemia. Mesmo declarando oposição ao governo Bolsonaro [7], o Partido NOVO, por exemplo, orientou voto a favor da urgência [8], negando o óbvio: o descontrole da pandemia no Brasil impede a segurança dos trabalhadores em educação. Até supostos defensores da educação, como a deputada Tabata Amaral (PDT), se posicionaram a partir da premissa esvaziada de que a escola deve ser a última a fechar.


Negar o óbvio é uma tradição bolsonarista, mas como vemos, não é exclusiva do presidente e de seus apoiadores fervorosos. Personas que baseiam seus discursos a partir de dados intencionalmente produzidos para favorecer suas opiniões negacionistas devem ser igualmente rechaçados e também deverão ocupar a lata do lixo da história. Fica a lição: uma vez bolsodoria, sempre bolsodoria.





 
 
 

Comments


Commenting on this post isn't available anymore. Contact the site owner for more info.
Post: Blog2_Post

Formulário de Inscrição

Obrigado pelo envio!

©2020 por Radicalizando. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page