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Guilherme Boulos: o queimador de pneus

  • Foto do escritor: Danilo Zajac
    Danilo Zajac
  • 18 de nov. de 2020
  • 6 min de leitura

Homens acuando e espancando jovens em ruelas e becos. Perseguições, tiros de armas de fogo em meio a mortos e feridos pisoteados. Em 2017, 940 pessoas mortas; em 2018, 850 assassinatos. Jovens mortos sem nenhum motivo aparente, sem ter como se defender e não reagindo ao massacre de seus próprios corpos. Até outubro deste ano, foram responsáveis por três em cada dez mortes em SP.


O trecho acima foi elaborado a partir de algumas das ações violentas da Polícia Militar do Estado de São Paulo [1]. O aparato violento do Estado é dotado de um preconceito ímpar contra pobres, negros e periféricos. Só o racismo presente na ideologia da corporação fez com que, no primeiro trimestre deste ano, a PM paulista tenha matado uma pessoa negra a cada 16 horas [2]. A razão para este tipo de "filosofia" - que me perdoem os filósofos - está ancorada em uma série de convenções que o capitalismo criou para se auto preservar. E quem faz o capitalismo e sua ideologia são os que querem manter as estruturas de dominação e a propriedade privada na mão de seus patrícios. Para começar nossa conversa: quem deve, senão os mais abastados, ter direitos plenos?


A Constituição Brasileira é pautada em uma série de direitos sociais que avançam na preservação e manutenção da vida humana. Aqui, vou analisar o direito à moradia. A República Federativa do Brasil, de acordo com o Art. 3º, tem por objetivos: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional e III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Perceba que o direito à moradia já está contemplado em todas estas frases, mas a Constituição vai além. Em seu Artigo 5º, inciso XXIII, está sublinhado que a propriedade deve atender a sua função social.


Mas o que é a função social da propriedade? Observada pela primeira vez no Brasil na Constituição de 1934, a função social é uma condição ao direito de propriedade. Ela determina que a propriedade urbana ou rural deverá, além de servir aos interesses do proprietário, atender às necessidades e interesses da sociedade. Desta forma, a função social condiciona o direito de propriedade, ao estabelecer que este direito é limitado pelo respeito ao bem coletivo.


Pois bem, esta definição contrasta com a própria Constituição, que assegura no inciso XXII do mesmo Art. 5º a garantia do direito de propriedade. Deve ser por isso que os incisos estão próximos, para deixar claro aos especuladores imobiliários que os inúmeros galpões vazios que existem pelas cidades brasileiras não deveriam ficar vazios. Aí é que está: porque este tipo de especulação acontece e milhares de brasileiros ainda vivem em situação de rua?


Acontece porque dá dinheiro. A especulação imobiliária é a compra ou aquisição de bens imóveis com a finalidade de vendê-los ou alugá-los posteriormente, na expectativa de que seu valor de mercado aumente durante o lapso de tempo decorrido. Com a compreensível inação do poder público (que dificilmente se contrapõe ao capital), pessoas ganham rios dinheiro sem precisar levantar de suas camas (no capitalismo, a um sem-número de formas de fazer isso, desde que você já faça parte do clube dos ricos). Enquanto isso, cerca de 7,7 milhões de famílias brasileiras tem que escolher entre pagar o aluguel ou a comida, sofrendo humilhações das mais diversas [3].


Como cobrar ações efetivas do poder público, causando disputas no interior do Estado, e que contrariam os interesses das elites? Só através da manifestação popular, direito garantido num Estado democrático, é possível pressionar a garantia de direitos conquistados com muita mobilização também popular. E uma das forma da sociedade expressar suas demandas é a de se organizar em movimentos sociais.


Os movimentos que lutam pela moradia, por exemplo, surgem como a forma dessa população excluída enfrentar a violência a qual está submetida e como forma de alcançar melhores condições de vida, por meio do acesso a um teto e a um conjunto de políticas, que permitam que eles acessem direitos fundamentais, que tenham direito a uma oportunidade de trabalho e garantia de renda. A história dos movimentos sociais é a de construir uma alternativa de vida, outro padrão de desenvolvimento, que não seja pautado pela exclusão social e pelas formas de violência.


Entre estes, está o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), cuja coordenação está associada ao candidato à Prefeitura da cidade de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL). O MTST possui caráter social, político e popular e foi fundado em 1997, advogando principalmente pelo direito à moradia, pela reforma urbana e pela diminuição da desigualdade social. O próprio Boulos explica que os seus integrantes são "pessoas comuns, que não suportaram mais a vida precária e a omissão do Estado, e por isso se mobilizaram por um direito" e cuja ação é a de "pressionar o Estado a cumprir essas leis e destinar as áreas para moradia social" [3].


Acontece que, como vimos, o Estado não consegue lidar com a contradição entre pobres e ricos de forma justa. Quando os "donos da caneta" precisam escolher entre as reivindicações populares e a especulação imobiliária, bem, vocês já sabem o desfecho.


Guilherme Boulos em uma reintegração de posse de um terreno em São Mateus, na zona leste da capital paulista, em 2017.


A foto acima, muito popularizada pelos sectários de direita e utilizada em inúmeras fake news de Whatsapp, está sendo disseminada para mostrar o quanto Boulos e o MTST são “terroristas”, “vagabundos”, e “baderneiros que querem tomar o que é dos outros”. Pois bem, vamos aos fatos que estão em torno desta foto. Cerca de 3 mil pessoas que ocupavam um terreno abandonado no bairro de São Mateus, zona leste paulistana, precisaram resistir a uma ação de reintegração de posse em manhã fria de janeiro de 2017. Durante a ação da Polícia Militar, que utilizou forte aparato repressivo, Guilherme Boulos foi preso e levado para o 49° Distrito Policial (DP). [4]


De acordo com o movimento, a prisão foi arbitrária, pois Boulos atuou a todo o momento na intenção de mediar o conflito. A vereadora Juliana Cardoso (PT) esteve presente durante a reintegração de posse e acompanhou as negociações com o coordenador do MTST. "Estávamos negociando para conversar com os oficiais de Justiça, quando seis policiais seguraram e levaram Guilherme Boulos preso." [5]


E o terreno? Bem, para os que não conhecem a cidade de São Paulo, a "ocupação Colonial" estava assentada em terreno localizado em São Mateus, em uma região bem afastada do Centro, e que portanto, é uma região bem simples, com poucas opções de lazer, educação e saúde. A decisão judicial determinou que as famílias deveriam desocupar o terreno em até 5 dias. O MTST não tinha ligações com a ocupação, mas foi chamado pelos líderes de moradores para tentar intermediar com a polícia e com o poder público uma alternativa. Para ganhar mais tempo, os ocupantes fizeram barricadas na avenida em frente à ocupação, o que incluiu a queima de alguns pneus [6]. A decisão não era difícil: eram os pneus queimados ou as famílias sendo escorraçadas e humilhadas. Ainda que esse ato de resistência pudesse ser chamado de violento, Domenico Losurdo nos ensina que a violência do opressor não pode ser comparada à resistência dos oprimidos, o que seria uma imprudência analítica grave para aqueles que lutam de fato pela emancipação dos povos [7].


Ações de resistência são consideradas por uma parte da população como "baderna", "quebra-quebra" ou "desordem". Porém, em um mundo de tantas opressões e injustiças, é prudente proteger pneus e vidraças ao mesmo tempo em que se defendem ações truculentas contra pessoas já marginalizadas e humilhadas? Qual o sentido em defender a criminalização de movimentos que só existem para fazer cumprir o que já está previsto na institucionalidade?


Vale um adendo aqui: Guilherme Boulos e o MTST nunca invadiram o lar de ninguém. Eles ocupam imóveis grandes (prédios inteiros, por exemplo), abandonados durante anos para servir à especulação imobiliária e que estão sofrendo processos sérios do Estado por não pagarem IPTU, ou por não cumprirem a função social da propriedade. O Estado só processa alguém por esses motivos quando a situação é crítica. A preocupação acerca das ocupações não deve ser das classes médias, mas dos grande acionistas que vive unicamente da especulação imobiliária. Uma das metas de campanha então candidato Boulos é fazer dos 40 mil imóveis abandonados nessas condições, locais que sirvam à nossa população, principalmente aos moradores de rua, que somam a marca de 25 mil só na cidade de São Paulo [8]. Uma cidade mais digna e menos triste deveria ser a preocupação de todos nós.


Entre o "baderneiro" Guilherme Boulos e os cidadãos de bem que naturalizam a pobreza e as opressões contra outros seres vivos, sendo os paladinos em defesa de objetos inanimados, penso que não me resta dúvidas a não ser estar do lado certo da História.



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