O Brasil gasta muito em educação?
- Danilo Zajac
- 27 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de nov. de 2020
A escola pública brasileira e a precariedade do gasto.

Não falta dinheiro, falta gestão. Apesar de todo o esforço de diversos lutadores do campo educacional, este tipo de frase é muito comum de ser encontrada por aí quando o assunto é serviço público. Entrevistas e reportagens são produzidas todas as semanas, geralmente utilizando retóricas muito parecidas. Em uma rápida pesquisa, encontrei uma entrevista recente com o economista Paulo Tafner, fundador e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), que tem por objetivo a "proposição de políticas públicas que aumentem a mobilidade social" [1]. De acordo com o entrevistado,
"uma primeira constatação é que não falta dinheiro. A gente gasta com educação mais do que gastam muitos países no mundo, e a gente não produz educação boa para as crianças. (...) Na área de educação, é necessário não só que haja manutenção do gasto, mas também um controle da qualidade do gasto."
A justificativa para a essa suposta falta de controle é o gasto público, que geralmente é comparado com o gasto em educação dos países desenvolvidos. E essa comparação choca mesmo. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE-2017), o Brasil gastou cerca de 5% com a educação pública (incluindo o ensino superior) em relação ao PIB, maior que o gasto alemão, na casa dos 4% [2].
Não é mentira, mas existem algumas pegadinhas. A primeira dessas pegadinhas é o que Darrell Huff nos ensina em seu livro Como mentir com estatística:
"Comece jogando cara ou coroa [uma única vez]. Com que frequência dará cara? Metade das vezes, é claro" (HUFF, 2016, p. 49).
Neste trecho, Huff está se referindo ao fato de que é possível se utilizar de artifícios matemáticos que ainda ilustram verdades, porém com a intenção de esconder a realidade. A porcentagem, por exemplo, é uma ótima ferramenta para isso. Imagine que você possua R$100,00 e precise comprar uma bebida que custe R$5. Isso dá 5% do seu dinheiro. Se você tivesse R$1000,00, essa bebida custaria apenas 0,5% do seu dinheiro. Antes de comparar as porcentagens, precisamos saber sobre o montante do qual a porcentagem se refere.
O que quero dizer é que o PIB do Brasil é menor do que o da Alemanha. Em valores de 2017, o PIB alemão era de US$ 3,657 tri, enquanto o brasileiro fechou em US$ 2,054 tri [Google]. Assim, 5% do PIB brasileiro corresponde a cerca de US$ 102 bi; 4% do alemão, US$ 146 bi. Apesar do valor em porcentagem ser menor, o gasto alemão é US$ 44 bi maior. Mesmo que os custos em países desenvolvidos possam ser maiores, essa diferença deve ser suficiente.
Ainda está desconfiado? Aí vai a segunda pegadinha. A comparação a partir de porcentagens do PIB é ainda pior quando se divide o valor do gasto entre o número de estudantes de cada um destes países. A própria OCDE traz um gráfico com esse tipo de análise, geralmente pouco utilizado no debate proposto por esses institutos privados, utilizando dados de 2014 e já ajustados em Paridade de Poder de Compra (PPP, bom para os que desconfiam da comparação do parágrafo anterior).

Fonte: OCDE, p. 168 [2]
Muito que bem, visivelmente a Alemanha gasta pelo menos o dobro por aluno em relação ao gasto brasileiro. Inclusive, vale rever o gráfico e perceber que o Brasil é um dos países que menos gasta em educação por aluno. Agora, peço ao leitor que pense na infraestrutura alemã e na infraestrutura brasileira. Mesmo com todo o progresso alemão, eles continuam gastando muito mais em educação do que o Brasil.
Se Paulo Tafner e outros liberalóides realmente entendem que a educação pode propiciar mobilidade social em nosso país, deveriam começar dizendo a verdade, sem estatisticular.
Bibliografia
[1]
HUFF, D. Como mentir com estatística. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.
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