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O tal tecnicismo do mercado

  • Foto do escritor: Danilo Zajac
    Danilo Zajac
  • 5 de nov. de 2020
  • 4 min de leitura

Estava pronto para escrever um texto que provocasse uma reflexão sobre a confiança nas instituições da democracia liberal. Estava separando algumas fontes, mas durante a procrastinação habitual provocada pelas redes sociais, apareceu no meu feed do Facebook uma coletânea de fotos sobre um evento online denominado "NOVO ENSINO MÉDIO - DECIFRA-ME OU DEVORO-TE!". A bola veio pingando. O texto sobre as instituições vai ter que ficar para depois...


Fui ler um pouco sobre o evento, promovido por um tal de "Instituto Monitor". Gratuito, ele contará com uma série de palestras que abordam todas as falácias propaladas pela reforma do Ensino Médio e pela BNCC, tais como "protagonismo juvenil", "escolha" e "metodologias ativas". Tenho dedicado alguns anos durante a minha pesquisa de mestrado, que em breve passará pelo processo de defesa, a desmistificar esses termos e toda a parafernália que vem com eles. Futuramente, também escreverei um pouco sobre, mas por ora, deixo como sugestão o livro "Educação contra a barbárie: Por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar", organizado pelo meu orientador Prof. Fernando Cássio e publicado pela Editora Boitempo. A preço módico, vocês compreenderão que o tal protagonismo é na verdade uma orientação baseada na falsa ideia de escolha, alavancada por propostas curriculares engessadas e orientadas às incertezas do mundo do trabalho.


Já estou acostumado a ouvir esses jargões. Sou professor da educação básica e a intromissão de projetos oriundos de organizações empresariais, que subvertem a lógica da Educação como um Direito Social para princípios de mercado, tem se tornado cada vez mais frequente. Porém, é dever de todo o educador não naturalizar estas coisas. Por que deslocar a educação dos educadores para os especialistas de mercado?


Na descrição do evento: "Você que é gestor escolar ou que atua na área pedagógica não pode perder este evento. As informações mais atualizadas sobre o Novo Ensino Médio e a BNCC, discutidas por alguns dos maiores especialistas do mercado. E o melhor: totalmente de graça e online." (https://www.facebook.com/institutomonitor/photos/pcb.4767261809980904/4767258553314563)



Há uma cultura de que educadores, pedagogos e professores seriam os grandes culpados pelo subdesenvolvimento do país. Já os economistas e empresários do Deus-mercado, com toda a sua capacidade técnica, poderiam resolver essas mazelas, a partir da mensuração da aprendizagem. Avaliações de larga escala, por exemplo, poderiam traduzir tudo o que ocorre nas escolas em números e planilhas de Excel. Aos professores e às escolas caberiam fazer com que estudantes aprendam o que estão nos manuais prescritos, como a BNCC e as matrizes de referências do ENEM. Baixos índices no IDEB e no PISA significam baixo aproveitamento do processo de aprendizagem. Afinal, "educação é importante demais para ficar apenas nas mãos dos educadores".

Esse tecnicismo de mercado infelizmente engana muitos dos meus colegas. Poderia descrever detalhadamente os porquês de a educação não poder ser resumida à aprendizagem e porque que este não é um processo mensurável, mas isto também ficará para um próximo post. Para os mais apressados, recomendo mais uma vez o livro "Educação Contra a Barbárie" e um artigo do Prof. Zé Marcelino: Dinheiro traz felicidade? "A relação entre insumos e qualidade na educação" (https://epaa.asu.edu/ojs/article/download/1378/1223). Para provocar uma breve reflexão, vale trazer algumas definições sobre como o engessamento curricular promovido por essa lógica de mensuração nada mais é do que uma das formas da educação bancária.


Se precisamos mensurar a aprendizagem, precisamos de um gabarito. No gabarito,


"não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. (...) Na visão bancária da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber". (FREIRE, p. 105, 2016)

Essa falsa generosidade que a concepção de educação bancária possui está presente na visão dos especialistas do mercado. "O mercado dá aquilo que você precisa". Nada melhor do que a visão técnica para aparar as arestas e as incertezas do processo educativo. O fato é que esse tipo de concepção nega a educação e o conhecimento como um processo muito mais complexo, que vai desde os princípios do que seria educar e terminaria pelo Estado da Arte das escolas brasileiras.


Será mesmo que as planilhas dos economistas podem conter tudo o que é necessário para promovermos uma educação para a liberdade e para o fim das desigualdades? Será que tudo o que há de pior em nosso país provém dos baixos índices obtidos pelos estudantes nas avaliações externas? Será a BNCC, o tal documento endeusado, a salvadora das escolas que não possuem nem saneamento básico?


"Por que soluções para problemas econômicos mais amplos são com frequência apresentadas como reformas da escola? (...) Por que de fato os formuladores de política, federais e estaduais, repetidamente apelam às escolas para ajudar a resolver problemas econômicos nacionais? (...) Será preciso dizer que parece mais fácil consertar as escolas do que a economia? (...) Também é mais fácil apontar o dedo para o despreparo dos jovens como o problema a ser resolvido do que culpar executivos por decisões míopes ou apontar as mudanças em uma economia impulsionada pelas forças de mercado que são mal compreendidas." (MORAES, 2019, p. 107-108)

Na verdade, o tal tecnicismo do mercado deriva do medo. O medo de entregar as decisões da educação aos únicos que podem fazer da educação uma prática da liberdade. A verdadeira educação é a dos educadores e dos estudantes.

Bibliografia:


CÁSSIO, F. (org.). Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019.


FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.


MORAES, R. C. Ensino superior e formação para o trabalho: reflexões sobre a experiência norte-americana. São Paulo: Editora Unesp, 2019.


PINTO, J. M. R. Dinheiro traz felicidade? A relação entre insumos e qualidade na educação. In: PINTO, J. M. R.; SOUZA, S. A. (org.). Para onde vai o dinheiro? Caminhos e descaminhos do financiamento da educação. São Paulo: Xamã, 2014.

 
 
 

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